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Apostolado do Mar celebra 90 anos a serviço dos trabalhadores navegantes


Xinnen Long passa a maior parte da vida cercado por água, vendo o horizonte mudar de tonalidade, enfrentando tempestades, chuvas, calmarias. Trabalhando em um navio cargueiro, de bandeira chinesa, viaja longos meses, carregando e descarregando bens e mercadorias em portos dos cinco continentes. O tempo em terra é curto, e às vezes, nem desembarca. Da última vez que se despediu da família, na China, viu ficar para traz a esposa grávida e a certeza de que não estaria em casa para ver o filho nascer. Três meses depois, foi ver o filho, pela primeira vez, através de um terminal de computador do Centro Stella Maris de Santos, no Litoral de São Paulo, mais de 22 mil quilômetros longe de casa. Para poder ficar ‘mais perto’ do bebê e ‘acompanhá-lo’ pelos meses seguintes, imprimiu várias fotos e as levou para colocar na parede do seu quarto, no navio.
Long é parte de um contingente de trabalhadores que fazem do mar a sua fonte de vida e contribuem para a consolidação de um setor que representa mais de 80% do comércio internacional de mercadorias. Segundo dados da Organização Marítima Internacional (IMO - agência das Nações Unidas para assuntos da navegação comercial internacional), publicados no Review of Maritime Transport 2009, “a frota total mundial se expandiu 6,7%, atingindo 1,19 bilhões de toneladas de porte bruto (TPB). A tonelagem dos petroleiros aumentou 2,5% e a de navios graneleiros de 7%”. (www.unctad.org/. Acesso em 25 de abril de 2010).
Sinais da retomada do crescimento econômico após a grave crise que atingiu o comércio internacional no segundo semestre de 2008. O setor está animado, as expectativas são as mais otimistas possíveis, projetos de expansão estão sendo retomados, capitaneados, principalmente pelo forte crescimento econômico da China, de mais de 10% ao ano, registrando “recordes na movimentação de contêineres durante o primeiro trimestre do ano. A produção total atingiu 31,87 milhões de Teus nos três primeiros meses de 2010, número 22,1% superior ao mesmo período do exercício passado”. (www.guiamaritimo.com.br. Acesso em 25 de abril de 2010).
Mas os números são mostram e não contam a história dos mais de 1,5 milhão desses trabalhadores itinerantes lotados nos navios de carga geral, nos porta-contêineres, nos navios graneleiros, nos navio-tanque, nos rebocadores e nos navios de passageiros (cruzeiros) que têm de lidar diariamente com todo tipo de adversidade, muitas delas altamente periculosas como os acidentes em alto mar ou nos portos, as más condições do tempo, ataques de piratas, além das pressões extremas em relação ao tempo de embarque e desembarque nos portos, abandono de tripulações, salários atrasados, e casos de homicídios ou suicídios nos navios.
Porto Seguro
E foi exatamente para ser um porto seguro para os trabalhadores navegantes que foi criado em 1899, em Glasgow, na Escócia, o Apostolado do Mar. Ligado, inicialmente, à Congregação dos Padres Jesuítas junto ao Apostolado da Oração, o trabalho com os marítimos foi interrompido durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Após a Guerra, o trabalho foi reiniciado, e em 1920, a organização obteve a bênção da Santa Sé, permitindo que a organização se desenvolvesse e consolidasse o trabalho pastoral pelos cinco continentes, até que em 1957, obteve reconhecimento pontifício e a sede da organização foi transferida para Roma. Em 1970, o Apostolado do Mar foi incorporado à recém-formada Comissão Pontifícia para a Assistência Espiritual dos Migrantes e Itinerantes, que veio, posteriormente, a se tornar o atual Pontifício Conselho para os Migrantes e Itinerantes.
O principal objetivo do Apostolado do Mar é oferecer o cuidado pastoral e humano a todos os trabalhadores marítimos e pescadores assim como às suas famílias, dependentes e comunidades associadas. O Apostolado do Mar oferece meios práticos para ajudar esses trabalhadores, através das casas de acolhida, conhecidas mundialmente como Centro Stella Maris, onde são oferecidos uma série de serviços: hospedagem, transporte, telefonia, internet, sala de jogos e de recreação, bibliotecas, além do atendimento humano e espiritual com celebrações, confissões ou aconselhamentos para os marítimos católicos, e ainda um lugar para culto de outras confissões. Alguns Centros, como o de Santos, desenvolvem esse atendimento em conjunto com outras confissões religiosas, pois o trabalho pastoral é feito a qualquer marítimo, independente de raça, cultura, nacionalidade ou credo.


No Brasil
No Brasil, a obra do Apostolado do Mar começou a se desenvolver na década de 1970, na cidade de Santos, no Litoral de São Paulo, onde está instalado o maior Porto do Brasil e América Latina. O trabalho começou por iniciativa do então bispo diocesano, Dom David Picão, que solicitou ajuda à Congregação dos Missionários de São Carlos Borromeu (mais conhecidos como Missionários Scalabrinianos), tendo em vista o carisma da Congregação de cuidado pastoral com os migrantes e itinerantes. Em 28 de março de 1971 foi criada a Paróquia Pessoal do Apostolado do Mar na igreja Nossa Senhora dos Navegantes, assumindo como primeiro pároco o padre Alexandre Gramola,CS.
O trabalho pastoral com a ‘gente do mar’, porém, nascia no contexto do regime militar e o acesso dos missionários aos navios atracados no Porto de Santos encontrou resistência por parte das autoridades portuárias e militares. Fato é que os missionários só receberam permissão para acessar a área do Porto e visitar os navios, oito anos depois, em 1979, quando o Centro Stella Maris estava sob a coordenação do padre Rovillio Guizzardi. Os primeiros navios visitados, no dia 6 de dezembro, foram o Merian, de bandeira liberiana (com tripulação alemã e filipina), e Good Spirit, de bandeira grega (com tripulação grega e chilena). E no dia 16, o Centro recebeu, pela primeira vez, a visita de 15 marítimos, especialmente do navio cargueiro brasileiro Almirante Graça Aranha.
Mais recentemente, em 1998 foi criado o Centro Stella Maris no Rio de Janeiro e, no primeiro semestre de 2010, o Centro Stella Maris no Porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul, também sob a responsabilidade da Congregação dos Missionários Scalabrinianos


Desafios
Desde sua fundação, em 1971, o Apostolado do Mar em Santos enfrentou todo tipo de ‘tempestade’ – bem como tempos de calmarias – para levar avante o atendimento pastoral aos trabalhadores do mar. Dentre esses desafios encontrava-se, principalmente, a falta de pessoal que falasse a língua inglesa, usada na comunicação com os marítimos. “Imagine visitar os navios e encontrar chineses, filipinos, gregos, alemães, poloneses, ingleses, indianos, turcos e gente de todas as partes do mundo... É um desafio enorme! E para esse trabalho de visita aos navios, assim como para o atendimento no Centro, esse é um requisito essencial de nossos funcionários, o que, às vezes, nem sempre é fácil conseguir”, explica padre Samuel Fonseca Torres,CS, atual coordenador do Centro Stella Maris de Santos e Coordenador do Apostolado do Mar Região América Latina e Caribe, que congrega cerca de 22 Centros em Argentina, Uruguai, Chile, Brasil, Equador, Peru, Colômbia, Venezuela, Panamá, Honduras, Costa Rica, México e República Dominicana.
No Centro Stella Maris de Santos não há rotina. Todos os dias os funcionários têm de estar dispostos para a maratona que vai das oito da manhã à meia noite, para receber os diversos grupos de marítimos que freqüentam o local. Logo cedo, a Equipe de Visitadores vai para o Porto de Santos e começa o contato com os marítimos nos navios atracados. Esse contato direto permite aos visitadores identificar algumas necessidades dos marítimos. Além disso, os visitadores levam os marítimos ao Centro e depois de volta aos navios. Esse vai e vem é diário. “Às vezes, alguns vêm apenas para descansar, pois sabem que aqui é um lugar seguro, tranqüilo. Outros, vêm para falar com a família, por telefone e internet. Alguns já estão há mais de três ou quatro meses longe de casa e o que eles mais querem é poder falar com a esposa, com os filhos, com algum familiar. E, em algumas ocasiões temos as celebrações ecumênicas ou a missa aqui na nossa Capela ou nos navios”, conta padre Samuel.
Diariamente, a equipe de trabalho visita cerca de 15 navios, atendendo em média 300 marítimos. Destes, de 80 a 100 marítimos visitam o Centro todos os dias. “O que é uma gota neste oceano do Porto de Santos, que recebe diariamente 35 a 50 navios, com mais de 1000 trabalhadores. Mas é a nossa fragilidade, pois os recursos humanos e materiais são limitados”.
O coordenador explica que também enfrenta situações particularmente delicadas. “Temos vários casos de marítimos que ficam doentes nos navios e que quando atracam são levados aos hospitais. Nós vamos visitá-los, damos todo apoio até que se recuperem e possam voltar ao trabalho ou as suas famílias. E já tivemos casos de marítimos, em terra, que se envolveram em brigas, algumas resultando em morte. Esses e outros fatos do nosso dia a dia aqui na missão, lidando com pessoas tão diferentes, com culturas diferentes, com costumes diferentes, com suas crenças e valores, nos ensinam que, acima de tudo, temos de estar dispostos a cuidar da pessoa como ela é, na sua condição mesma de filhos de Deus. Muitas vezes, esses trabalhadores (homens e mulheres) são submetidos à condições desumanas de trabalho dentro dos navios, ficam meses a fio viajando pelo mar, e têm poucas horas em cada porto porque a palavra de ordem é ‘velocidade’. Quanto mais os navios ficam parados nos portos, isso significa mais custo para as empresas. Mas os empregadores nem sempre estão preocupados com as condições mentais, físicas, psicológicas, afetivas ou espirituais de seus trabalhadores. E é nesse campo que nós buscamos acolhê-los e apoiá-los para que se sintam reconfortados, reanimados, revigorados a seguir viagem para novos portos pelo mundo afora até que possam voltar para suas casas e famílias, ainda que por um curto tempo”.


Ano do Marítimo e 90 anos do Apostolado do Mar
A Organização Marítima Internacional estabeleceu o ano de 2010 como o “Ano Internacional do Marítimo”, com o objetivo de sensibilizar a comunidade internacional para a importância do trabalho desses profissionais e para que se amplie o debate e a criação de leis que promovam melhores condições de trabalho e de relações humanas no ambiente do comércio marítimo internacional. O Ano do Marítimo será especialmente comemorado em setembro, quando se comemora o Dia do Marítimo.
Também o Pontifício Conselho para os Migrantes e os Itinerantes está organizando uma série de eventos para comemorar os 90 anos da criação do Apostolado do Mar. No Brasil, a programação constará de um seminário, encontro de capelães e a celebração no Santuário Nacional de Aparecida, em data a ser agendada.

Depoimentos de marítimos que frequentam o Centro Stella Maris em Santos-SP
Alexander (Ucraniano)
Eu sou um velho marinheiro que já está no mar há quase quarenta anos. Fui para a escola de marítimos quando eu tinha 15 anos e a minha vida inteira esteve ligada ao mar. Como um velho marinheiro eu posso dizer que o trabalho que o Centro Stella Maris está fazendo aqui em Santos é muito importante e muito bom para o espírito de um marinheiro... Obrigado a vocês por isso e que Deus abençoe vocês e suas famílias.


Roberto Zamora (Chile)
Para os marítimos, a vida no mar é muito sacrificada, já que, em se tratando do ambiente do mar, temos que estar sempre alertas, cada um na sua área: o capitão, os oficias, os mecânicos, os marítimos... Tudo para manter o bom funcionamento, com o objetivo de chegar ao porto de destino com a carga e o navio em boas condições. E no tempo estipulado pelo contrato. Tudo isso nos produz um grande cansaço tanto físico quanto mental. Uma vez no Porto, sempre buscamos um lugar que possa nos acolher e nos ajudar. A Missão Stella Maris nos oferece ajuda de forma cordial e desinteressada com sua organização espalhada por todo o mundo.
O Centro nos ajudar a manter contato com nossas famílias através dos meios de comunicação (telefone, internet, carta), nos distrai com os jogos, com as bibliotecas e nos reconforta espiritualmente com o conselho e com as celebrações.
Sou muito grato e quero agradecer e elogiar o esforço e trabalho de todos os funcionários do Centro Stella Maris.


Marwinder Singh - India
Uma das coisas mais importantes que o marítimo encontra no Centro Stella Maris é a possibilidade de poder falar com sua família por internet ou telefone. E em países desconhecidos é muito bom saber que existe alguém que pode nos ajudar. Temos uma rotina de trabalho duro nos navios e, às vezes, ficamos até nove meses no mar, e a gente sente muita saudade da família e dos amigos.



Mario Ojeda (Chefe de Cozinha) e Marcelo Munoz (Mecânico)
Queremos enviar uma cordial saudação de agradecimento a todo o pessoal do Stella Maris, a cargo do capelão, padre Samuel Torres, por sua assistência e acolhimento em nossas estadas. Um ‘muito obrigado’ da parte da tripulação do M/V Sol do Brasil. Saudação a todos e sorte em todos os seus projetos.